O IFC e a Pandemia: O Instituto Federal Catarinense inicia hoje uma série de matérias sobre os desafios enfrentados pela instituição após pouco mais de um ano de pandemia mundial de Covid-19. Os textos serão publicados semanalmente, com o objetivo de traçar um panorama completo e transparente sobre os desafios enfrentados pela instituição neste período tão grave da história de nosso país.
Há pouco mais de um ano, assim como todos os brasileiros, a comunidade acadêmica do Instituto Federal Catarinense (IFC) se viu diante de uma situação tão imprevisível quanto devastadora: uma pandemia mundial de uma doença altamente contagiosa e potencialmente fatal, a Covid-19. O que parecia ser algo passageiro logo se confirmou como uma das maiores crises sanitárias já enfrentadas no país, ceifando centenas de milhares de vidas e transformando, talvez para sempre, os hábitos dos cidadãos e a vida em sociedade.
Os efeitos dessa nova realidade foram sentidos duramente dentro do IFC. Estudantes, professores, servidores técnico-administrativos e terceirizados tiveram que quebrar paradigmas e reajustar drasticamente suas rotinas de estudo e trabalho. Embora a previsão inicial fosse de que a pandemia duraria pouco tempo, o prognóstico não deixava de ser assustador.
“A notícia chegou até mim quando eu estava em Brasília, na reunião do pleno do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif)“, conta a reitora do IFC, professora Sônia Regina Fernandes. “Naquele primeiro momento, a situação era de susto, seguido de medo e da pergunta ‘E agora, o que fazer?’ Imediatamente, liguei para a equipe de gestão, solicitando a criação de um Comitê de Crise – e, a partir daí, começamos todo o processo. Mesmo que eu não estivesse fisicamente na instituição, era preciso agir, porque a coisa era grave — e exigia organização a partir de critérios confiáveis”. Foi estabelecido então um grupo plural, com membros de formações diversas, para que o IFC tivesse acesso ao maior número de informações possível para compreender a realidade que se desenhava naquele momento e atuar satisfatoriamente durante a crise.
“No retorno a Blumenau, acho que numa sexta-feira, o governador de Santa Catarina tinha acabado de decretar um lockdown de 15 dias”, prossegue a reitora. “Nesse meio tempo, eu e alguns pró-reitores fomos à Reitoria e fizemos uma breve reunião — pois já era pra estar tudo fechado — com a expectativa de que a suspensão não deveria passar dos tais 15 dias… e já estamos há um ano nessa situação”.
Sônia ressalta que este retorno ao espaço físico da Reitoria foi um momento marcante. “Eu já não encontrei a maioria dos meus colegas de trabalho; os poucos que ainda permaneciam no prédio estavam muito assustados… talvez com mais consciência do que eu, naquele momento, do perigo da situação. Ainda no início, o medo do coronavírus já estava ocasionando sofrimento psicológico”.
O IFC então se organizou para uma quinzena de suspensão de atividades presenciais… que ainda não retornaram. Apenas alguns serviços essenciais foram mantidos, principalmente nos campi agrícolas, onde a manutenção de plantações e criações é necessária. Foi o início de um extenso processo de reinvenção de procedimentos, por meio de tecnologias que permitem a condução de práticas educacionais e de gestão de maneira remota. “Por este ponto de vista, a pandemia, dentro de toda a desgraça que ela trouxe (e ainda traz, em um conjunto de omissão do estado e falta de empatia entre os seres humanos), antecipou a incorporação da cultura institucional do uso de ferramentas de comunicação não apenas para realizar reuniões e tomadas de decisão, mas também conduzir o processo educativo, que é nossa razão de ser. Chegamos então às Atividades de Ensino Remotas, as AERs, que viabilizam o que mais nos custa caro no âmbito institucional: a garantia do direito à Educação pública e de qualidade socialmente referenciada”, afirma Fernandes.
As AERs foram oficialmente instituídas no dia 26 de março, como forma de minimizar o prejuízo pedagógico trazido pela suspensão das atividades presenciais. Após o término do prazo inicial estabelecido pelo Conselho Superior (Consuper), no dia 16/04, o IFC suspendeu seu Calendário Acadêmico por 30 dias, para revisão, planejamento e desenvolvimento de estratégias de acesso pleno e retomada do trabalho remoto — tarefas desempenhadas por um Grupo de Trabalho criado exclusivamente para este fim. “Essa pausa foi importante, pois pudemos olhar para aquela pequena trajetória e corrigir o que já percebemos como problemático. As AERs trazem para o contexto da docência uma cultura de currículo que não é tradicional no país, tampouco no IFC. Somos acostumados a um processo centrado na presencialidade. Este foi o primeiro desafio: nos organizarmos para compartilhar este conhecimento historicamente acumulado de forma não presencial. Porque não é EaD; a EaD segue uma outra lógica, outra estrutura, outras condições institucionais”.
Esta quebra de paradigma educacional foi um processo complicado; alguns docentes não conseguiam visualizar como proceder com as AERs. De acordo com Sônia, o trabalho do grupo organizado para avaliar as atividades remotas (composto pelos diretores de Ensino, Pesquisa e Extensão — DEPEs — dos campi em parceria com a Proen, a Propi e a Proex e, posteriormente, membros do Conselho Superior) foi essencial para orientar e padronizar os procedimentos.
As AERs trouxeram também outro desafio: atender àqueles que não têm acesso à internet ou a dispositivos para acessar a rede. “Foi quando criamos o Auxílio Inclusão Digital, para que os estudantes com grau de vulnerabilidade pudessem contratar um plano de internet, desenvolver suas atividades, interagir durante as aulas síncronas e, com isso, garantir de modo satisfatório — eu acho que o termo correto é esse, ‘satisfatório’ — o processo ensino-aprendizagem. Porque não é só para o professor que a mudança causa estranheza; o estudante também estava acostumado a ir à escola, conviver com os professores e com seus pares, ter apoio pedagógico e psicológico… e, de uma hora pra outra, este elo se rompe”, explica Sônia.
A Evolução do Enfrentamento
Desde seu início, em março de 2020, a pandemia continuou avançando. Com a ampliação do número de casos, o constante aumento das contaminações e o agravamento da crise sanitária, os brasileiros tiveram que se acostumar com o fato de que o estado caótico das coisas se estenderia por um bom tempo e adaptar gradualmente o seu dia a dia.
Não foi diferente no IFC. “Em relação à gestão, no começo, eu dizia: ‘uma coisa por vez’; ainda não tínhamos noção do tempo e resolvíamos as questões conforme nos eram demandadas. Depois, vimos que era possível pensar mais a longo prazo, conforme dados sanitários eram divulgados de maneira mais consistente pela Organização Mundial de Saúde e nos âmbitos federal, estadual e municipal”, diz a reitora. “Um Subcomitê Científico foi criado dentro do Comitê de Crise para analisar estes dados e produzir elementos técnicos para as tomadas de decisão. São muitas variáveis a serem consideradas: os marcos regulatórios emitidos pelo MEC e Conselho Nacional de Educação, em conjunto com as normativas emitidas pelo estado de Santa Catarina, que se desdobram também nos municípios nos quais temos campi… e as nossas organizações internas a todo tempo lidando com esses diversos momentos para organizar o processo como um todo”.
“É importante dizer que não perdemos nenhum edital externo”, enfatiza Sônia, “seja no âmbito da Fapesc, seja no âmbito do MEC, para aquisição de equipamentos e insumos não só para o funcionamento normal do Instituto, como também para o enfrentamento da pandemia — a exemplo da a aquisição de impressoras 3D para produção de máscaras tipo faceshield. Não perdemos prazos junto ao CNPq e à Capes, mantendo bolsas de Pesquisa e Extensão e também de Estágio, quando possível”. Ela destaca, ainda, que grandes eventos do IFC também foram adaptados para os meios digitais, como a Mostra de Iniciação Científica e o IFCultura; os Jogos Internos do IFC não puderam ser realizados. “Fizemos, porém, o I Campeonato de League of Legends, que foi um sucesso — e nos levou a criar um Comitê de Jogos Digitais. Enfim, não perdemos oportunidades de fomento e fizemos o possível para manter o que havia como organização de currículo para além das atividades de ensino”.
Vitórias, desafios e a perspectiva de retorno
Para a reitora do IFC, as maiores vitórias do Instituto em meio a essa situação tão grave foram a preservação da vida de sua comunidade acadêmica — e, indiretamente, das suas famílias, amigos e conhecidos — e a preservação do direito de acesso à Educação, mesmo que não em sua plenitude. “Não tivemos nenhuma infecção no local de trabalho, tampouco mortes. Isso é o mais importante. E, junto com isso, conseguimos cumprir nossa tarefa de ofertar educação profissional científico-tecnológica; não nas mesmas condições, obviamente, diante de uma situação tão adversa… mas mantivemos a oferta”.
Contudo, foram muitos desafios, e alguns ainda permanecem. “Nós temos a perspectiva da formação técnica, em espaços nos quais a prática é necessária; este foi, talvez, o aspecto que teve mais prejuízo, pois alguns componentes curriculares não puderam ser ofertados de forma não presencial. Sabemos também que ainda há aqueles que não conseguiram acompanhar as atividades remotas, mesmo com todos os nossos esforços para oferecer condições de acesso e, também, acompanhamento e ajuda para evitar reprovação e retenção. Mas,enfim, termos conseguido manter a oferta da Educação e a vida de nossa comunidade acadêmica foi um bom ganho”, pondera a dirigente do IFC.
Segundo Fernandes, os desafios mais urgentes são a garantia da infraestrutura tecnológica necessária para ofertar os cursos no conceito híbrido, para quando da volta gradual das atividades e de reposições de conteúdo, e a formação dos quadros para trabalhar com estas tecnologias e utilizá-las em benefício dos processos educacionais. “O conceito de cultura digital transcende tanto a pandemia quanto o uso da tecnologia enquanto ferramenta — ainda mais para nós, que temos a juventude representando mais de 50% de nossas matrículas. Estes jovens estão em outro momento, em que nós não estamos, e isso é inegável; não tem como retroceder a tecnologia, o tempo em si, e a forma como o planeta se organiza. E, como sempre, há ainda o desafio de garantir que nossos estudantes se apropriem do conhecimento necessário para que saiam de nossa instituição com uma formação sólida — seja do ponto de vista científico, tecnológico ou humano — e possam se inserir no mundo do trabalho de maneira qualificada e inquisitiva”.
A reitora aponta ainda os obstáculos operacionais e administrativos que se apresentam diante do IFC, especialmente na perspectiva de retorno à normalidade. “Temos que garantir o orçamento a fim de dar conta da manutenção da instituição e garantir os investimentos necessários para gerenciar não só a condução de dois calendários letivos em um mesmo ano civil, mas também uma volta gradual à presencialidade, na qual certamente a realização de atividades híbridas será necessária. E as previsões orçamentárias são preocupantes, porque houve redução não só no que diz respeito ao custeio como também na rubrica de capital”.
Sônia destaca que a questão orçamentária é apenas uma das preocupações relativas a uma futura retomada das atividades presenciais. “Existe todo um preparo nesse sentido, na organização do currículo e no tempo da organização da aula — pois, em alguns casos, o professor terá metade da turma acompanhando fisicamente as aulas e a outra metade assistindo simultaneamente em casa. E, nos casos em que isso não for possível, o professor duplicará sua carga horária. Nós nos planejamos para isso, temos consciência do impacto no trabalho dos servidores e vimos que não haverá professores suficientes. Solicitamos ao MEC a contratação de professores temporários e tivemos resposta negativa. Então estamos trabalhando para reorganizar as estruturas de trabalho e buscar as devidas ferramentas tecnológicas, contratando ambientes virtuais de aprendizagem para minimizar as consequências da junção de calendários”.
A reitora do IFC deixa claro, por fim, que a situação atual não é, obviamente, a ideal, mas sim uma junção hercúlea de esforços, por parte de toda a comunidade acadêmica, para fazer o melhor possível diante de circunstâncias graves e emergenciais. Bom, mesmo, seria que o país vencesse o coronavírus, e o Instituto pudesse voltar à normalidade. “Para isso, primeiramente, é preciso que haja vacina para todos. Se tivéssemos, hoje, pelo menos 70% da população vacinada, provavelmente já teríamos retornado às nossas atividades presenciais — se não na totalidade, em uma proporção menor, que não afetasse tanto nossos estudantes e servidores. Os Institutos fizeram pressão, por meio do Conif, junto ao MEC para que os profissionais da Educação fossem incluídos nas prioridades de imunização; apesar disso, devido à escassez de doses, a vacinação efetiva ainda vai demorar”.
“Enquanto essa realidade não se concretiza, o IFC permanece atento aos dados sobre a pandemia, por meio de nosso Comitê de Crise, e tomando suas decisões sobre retorno ou não com base em indicadores técnicos e científicos. Portarias federais em vigor determinam que já devíamos ter voltado à presencialidade. Contudo, a lei de criação dos Institutos nos outorga status de Universidade, concedendo, assim, autonomia didática, pedagógica e científica. Com base nisso — e no texto das próprias portarias federais, que estabelece ao gestor máximo das instituições a tomada de decisão sobre o retorno, com base nos dados da pandemia —, o IFC irá sempre respaldar suas decisões na precaução e na Ciência. E, assim sendo, enquanto tivermos condições sanitárias perigosas em Santa Catarina, vamos continuar com o distanciamento e o trabalho remoto para preservar a vida de nossa comunidade”, finaliza Sônia.
Texto: Cecom/Reitoria/Thomás Müller
Imagem: Cecom/Reitoria/Andréa Santana